segunda-feira, novembro 27, 2006

Corpos que arranham no sono

tenho ainda um calor destilado de lençois a envolver-me, as fontes carregadas com um peso incómodo,
"...degolavam um frango, deviam degolar um frango porque sentia o desespero das asas unidas por um pedaço de corda, sentia o sangue, gotas quase negras que escorriam ao comprido dos braços ou tombavam nas lajes numa espessura de lacre..."
acordei, ainda adormecido,
o pinhal era largo e perfumado, pólen que rodopiava na luz desfiada que descia por entre a ramagem, sobre a caruma. tinhas sal e água nos olhos e poeira fina nas sapatilhas. Fugias de mim,
não... chamavas-me, fugindo para isso,
como não podia ir?
Quando me escutaste, disse-te a dor e a verdade, com elas lavaste as feridas e descansaste...frágil.
Um barulho de armários ao fundo...
Sonho?
Deitada numa poça de areia colhias sol às golfadas, eu engolia-te os olhos e o sorriso, engolia-te as mãos e as coxas, o cabelo e as unhas
Uma trela a repicar, as patas de um cão ansioso
Não...sonho...?
Uma distância pequena impossibilitava que nos tocassemos e no entanto o teu corpo arranhava-me... nunca tinha sido tão desejado
É possível ser assim desejado? o corpo a arranhar...
Um barulho de porta... desta vez fica, resiste, desvanece...
Sim, um sonho... No entanto arranhões... do outro lado da pele, arranhões...

A tua presença à minha volta, mãos que se estendem dentro de uma cegueira, do teu lado, do meu lado, mãos que se trespassam e nem um nervo que avise.
Voltas a fugir sob a luz esgarçada, a poeira fina nos joelhos, corre, corre, corre... Corre!
chamas-me, fugindo para isso
como poderei ir?
Percebe que és tecido de sonho, e ainda que lute comigo não poderei deixar de te asfixiar, até que uma memória tua em mim, vaga... e nada mais...

Desespero,

"...degolavam um frango, deviam degolar um frango porque sentia o desespero das asas unidas por um pedaço de corda, sentia o sangue, gotas quase negras que escorriam ao comprido dos braços ou tombavam nas lajes numa espessura de lacre..."

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