sábado, agosto 29, 2015

Rio Paiva

nas montanhas do norte,
eriçadas ao céu,
há um vale profundo que uma serpente de água
decide cavar à passagem, 
como sempre o fez.

serpente efémera de eterna renovação
cujos segmentos estagnam e aceleram
na formação do seu movimento perene.

absorvo o segredo inviolável da vida -
coabitação ancestral -
matrimónio inocente e absoluto.

mergulho nas águas -
as árvores sobre os dorsos montanhosos,
celebram a vida - oscilam festivas.

em queda oblíqua, as chuvas
repicam o caudal - verde, baço, vítreo,
e a serpente acorda desse movimento adormecido.
tremumlam-lhe as escamas de cristal.

decido trespassar-lhe a substância,
até esse âmago incorrupto.
flutuo à superfície, de braços abertos e olhos
cerrados.
sou um grão de humanidade no seio puro
dos silêncios naturais.

tormentos existenciais,
são de um momento que não é este.
existo sem consciência humana -
a eterna aflição.

o coração abranda, a paz floresce.
abdico do que de humano há em mim.
abraçado por uma força milenar,
transmuto-me numa flor aquática:

e nunca fui tão nada.
e nunca fui tão completo.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]



<< Página inicial