segunda-feira, dezembro 27, 2010

Consagração.

(Em Nome da Terra)

Por fim saímos da água e os deuses olharam-nos, humilhados na sua inutilidade. Uma nova raça divina erguia-se em nós. Poderosos, imensos. Trazíamos uma mensagem dos confins das eras, a Terra esperava-nos. Trazíamos a notícia de um corpo incorruptível e perfeito.
- Jura-me que nunca hás-de envelhecer - disse-te.
- Juro.
- E que nunca hás-de morrer.
- Sim.
- E que a beleza estará sempre contigo. E a glória. E a paz.
- Juro.
Então baixei-me ao rio e trouxe água nas mãos em concha. E derramei-ta na cabeça imensamente. E disse, e disse
- Eu te baptizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.
E tu disseste João sacrílego. E eu disse agora podemo-nos vestir.


Vergílio Ferreira.

Quem precisa de um Deus?
A liberdade pura está tão mais além.
Para a consagração basta uma par de mãos, água e Palavras.
O resto é nada.

I lent to her face, which the gathering dusk made featureless, the mask of my most impassioned dreams of beauty, but read in her eyes as they turned towards me the horror of my own nonentity.

Marcel Proust

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Estilhaços de um sonho - 14/12 03:40

vivíamos
sobre um intrincado de vigas
de uma ponte esquecida por todos.

e todos os dias,
impregnado em desejo,
o poente lhe preparava a despedida -
cravando-lhe na face, sombreados
de tons sublimes.

ouvia distante,
suspensa no aço, o canto misterioso
do horizonte estelar.

e era como que essa luz doirada
se lhe dobrasse atrás das costas
para a agarrar.

no dia do ocaso derradeiro,
acordei no momento em que se lançou.

era um rio forrado a luz -
o caudal áspero que a levou.