sábado, outubro 29, 2005

Não fales, afaga-me e leva-me ao sono



Traçaste a palavra da paz na minha face
e as mãos tensas dos guerreiros amoleceram,
os trilhos de sangue lavaram-se com as chuvas,
as feridas dos homens recuaram...

E a tua coluna serpenteava
tal era o sossego que te vibrava no regaço.

Houve, por certo, inimigos que se abraçaram
e adormeceram de línguas enroladas.
Metais incendiados
sob constelações de cristal.

E a tua mão florescia como se o meu calor
fosse de um sol que o permitisse.

As árvores brandiram no cume aceleradas
o reverberar grave da misericórdia.
E as grilhetas que se diluiram
sob as lágrimas dos tiranos

Traçaste a palavra da paz na minha face
e o mundo leu-a...

quinta-feira, outubro 27, 2005

Deixem-me estar convosco...

O vento sopra-lhe as costas, envolto numa voz de demência. Empurra-o à distância necessária para que a sua pele se crispe com a humidade da língua de ar vinda da boca da fogueira. Arde amarela e cospe luz pela periferia. Perdigotos de lume rodopiam no ar quando a madeira cansada, estala em derrota. E o vento persiste... O casaco de malha estala no ar, os cabelos são searas escuras que assinalam o vento no seu bambolear e os dedos estremecem quando a voz dos seres que rodeiam a fogueira se escapa até ele. O cantar deles...orgânico... Duma ancestralidade incontável...Havia um cheiro acre a existência na melodia que lhes evaporava do corpo. Havia baba no descontrolo muscular que os movimentava, sangue e terra nos pés nus que revolviam a terra. E ainda, um lago de suor salgado que escorria de cada um até às entranhas da fogueira, absorvido pela lenha e o fogo, tornando-a humana e imortal.

À porta da circunferência o vento abandona-me. Percebo, a comunhão é restrita. Aqui no limiar de tudo sinto a o cheiro a urina, despojos físicos de corpos espirituais. Percebo... A energia que existe bofeteia a carne para que ela execute nada mais que o essencial. Para que eles rebolem tangenciais aos vértices de fogo. e quando, num estimulo desmedido lhes chicoteia os nervos, eles mijam-se e cospem-se e choram e borram tudo de existência. Atrevo-me enquanto avanço pela linha que me mantém no silêncio. – É aqui que começo a existir? - E as vozes desfalecem... e os corpos escoram... as cabeças pendem do pescoço vertendo o suor na terra. A terra absorve, a terra escurece...

(Silêncio)

(Silêncio)

(Silêncio)

grummm...De repente, Grumm... um fervilhar de ar nas gargantas anuncia-se em cada um. Espero a resposta... – Então, é aqui que começo a existir sem antes ter de pensar? – e o estremecimento aumenta, olham-me e continuam a vociferar como que os pulmões fossem infinitos. Finalmente enfrentam-me, um de cada vez, e por trás do vítreo dos olhos, vejo-os... sinto-os...sulcam o quotidiano com a normalidade de quem já aprendeu a existir.. Gumm dá, gumm dá, gumm dá, desafio o circulo a retomar, mas desta vez também eu terei de girar...Gummm dá, gumm dá!