quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Envelope de ideias



"...
E agora, diante da Tânger Soto, pensava na mulher da escuna. No fim de contas, disse para consigo, talvez uma e a outra sejam a mesma, e a vida dos homens gire sempre em torno de uma só mulher: aquela onde se resumem todas as mulheres do mundo, vértice de todos os mistérios e chave de todas as respostas. Que maneja o silêncio como ninguém, talvez por ser uma linguagem que, há séculos, fala na perfeição. A que possui a lucidez sábia de manhãs luminosas, de ocasos vermelhos e mares azul-cobalto, temperada de estoicismo, tristeza infinita e fadiga para as quais - Coy tinha essa estranhe certeza - uma única existência não basta.
..."

O Cemitério Dos Barcos Sem Nome
Arturo Pérez-Reverte

Um dia pensei-o com bastante claridade, ele, além disso, executou-o em palavras. São assim os grandes escritores: tochas fulgorosas, desgastando a penumbra que tolda certos sentimentos. Equacionam ideias em parágrafos, para que estas se tornem transmissíveis, e posteriormente, no coração de cada receptor, novamente as ideias originais (ou quase). Matemáticos de palavras. Envelopes sem destinatário, onde os sentimentos, dobrados em quatro, viajam de Homem para Homem.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Imobilidade


Esferas de pedra
é o que ele encaixa na cara,
depois de trajar os lábios
com um fio duro acinzentado.

É que nele, o murmúrio de algo agitado,
cessou.

(...)

Lê livros enquanto torce cabelos
nos dedos.
Como se a mão dele não fosse,
E ele não fosse todo saudade.

É que os abraços duram agora pouco tempo
- são os amigos que lhos cedem -
E de que é que a paixão se vai alimentar?
As memórias que vem trincando
Sabem a cartão.

(...)

Porque te deitas tão leve?
Como se não houvesse alegria que te pesasse.
“É que não há em mim, emoção que ondeie,
Sou um lago lunar.”

(...)

Hoje vi-o a fumar ao sol
E quando abriu os lábios para arremessar
O fumo, entrevi:
Um céu que de altura tinha sonhos
e um coração que os olhava, imóvel.

Se lhe soubesses os carinhos
Sabias tudo…